Como foi a vinda do Richard Stallman para Curitiba em 2017 - parte 2
Como foi a vinda do Richard Stallman para Curitiba em 2017 - parte 2
Richard Stallman (RMS), fundador do movimento Software Livre, do Projeto GNU, e da Free Software Foundation (FSF), e um dos autores da Licença Pública Geral GNU (GNU GPL) esteve no Brasil durante alguns dias de maio e junho de 2017 palestrando em algumas cidades.
Esse texto é um relato da passagem do Stallman em duas cidades que eu ajudei a organizar as palestras:
- Curitiba - onde eu moro e faço parte da Comunidade Curitiba Livre.
- Brasília - durante a 1ª edição da Campus Party Brasília onde eu também palestrei (e sou curador de Software Livre da Campus Party Brasil em São Paulo).
Dividi o texto em duas publicações para a leitura não ficar muito cansativa:
- O planejamento para a vinda do Stallman publicado em setembro.
- O Stallman em Curitiba (este texto).
Relembre aqui porque eu escrevi esse texto.
Stallman em Curitiba
O Stallman chegou em Curitiba no dia 1 de junho vindo de Campinas, pouco antes das 17h e eu fui sozinho buscá-lo no aeroporto. Como não tenho carro, achei melhor alugar um para que facilitasse os deslocamentos durante os dias em que eles estaria aqui em Curitiba. Quando nos encontramos, ele estava puxando uma mala gigante e com duas bolsas penduradas no pescoço, aí institivamente perguntei se ele precisava de ajuda, e ele disse que não, que se precisasse ele pediria. No primeiro momento, eu poderia ter achado essa resposta bastante grosseira, mas tava lá nas recomendações não oferecer ajuda porque caso ele precisasse de algo, ele mesmo pediria. Como moro do lado do aeroporto, perguntei se ele queria ir para casa, e ele me disse que gostaria de comprar “castanhas do Brasil” (em português) e uma outra coisa que não entendi o que era, e pedi para repetir. Depois de umas três tentativas eu entendi que ele queria “chocolates da Garoto”.
Ao sair do aeroporto, estava fazendo um vento frio no estacionamento, eu de casaco e o Stallman de camiseta. Ele sorriu e disse que agora sim estava se sentindo bem com aquele clima. Eu comentei que estava frio e ele disse que que não, que estava ótimo daquele jeito.
Fomos para o Mercado Municipal que fica quase no centro de Curitiba porque lá vende castanhas a granel. Assim que entrou no carro, o Stallman abriu o notebook e começou a digitar. Eu realmente não me importei com isso porque eu não esperava ficar conversando bastante e fazendo várias perguntas, minha intenção era deixá-lo a vontade. Ah, e estava lá no texto das recomendações para não estranhar ou se sentir ofendido se em algum momento ele abrisse o notebook porque ele tinha que responder vários e-mails durante o dia. Quando ouço alguém dizendo que o Stallman é o seu exemplo de vida, fico imaginando como seria se essa pessoa ficasse sozinha com ele, será que essa pessoa ficaria enlouquecida tietando, como aqueles(as) adolecentes que encontram o seu ídolo? Com certeza isso já deve ter acontecido.
Compramos as castanhas (de caju e do Pará), uma caixa de bombons e duas barras de chocolate da Garoto. Quando estávamos indo buscar a Adriana, já tinha passado das 18h e o Stallman me perguntou se ali era o centro comercial de Curitiba, e respondi que sim. Ele explicou que fazia muito tempo que queria comprar um despertador novo mas que não achava em lugar nenhum. Então se eu soubesse de algum lugar por ali que vendesse despertadores, ele gostaria de ir. Mas não era um despertador qualquer, ele tinha que ter as seguintes característcas:
- Ser pequeno para ser fácil de carregar na bolsa poque ele não usa relógio de pulso e muito menos celular.
- Analógico.
- Usar pilha AA para garantir que o som do alarme seria alto para fazê-lo acordar.
- Ter luz no mostrador para poder consultar a hora de madrugada no escuro.
- Os botões de regulagem da hora e do despertador deveriam ser embutidos para não desregular no atrito dentro da bolsa.
Combinei com a Adriana de nos encontrarmos numa dessas lojas que vendem de tudo, a maioria dos produtos importados e de qualidade duvidosa. Foi o primeiro encontro da Adriana com o Stallman, talvez no futuro ela conte com foi esse momento e a sua versão de como foi recebê-lo em casa :-) Nenhum dos despertadores tinha as característcas que ele queria, então lembrei de uma relojoaria ali perto onde já levei meu relógio para trocar pilha/pulseira e que eu lembrava que tinha despertadores para vender. Assim que entramos, o Stallman já viu um analógico do tamanho que ele queria, e pediu para ver. Os dois botões eram embutidos, tinha luz, e usava pilha AA. Sim, tinhamos achado exatamente como ele queria, o modelo é esse.
O dono da relojoaria ficou curioso ao nos ver falando em inglês e comecei a explicar que o Stallman era americano e estava na cidade para palestrar. O dono da loja disse que os pais eram da Ucrânia e então começamos a conversar os três. O Stallman me pediu para explicar para o dono o que era Software Livre, então falei que “software livre é gratuito…” nesse momento o Stallman me interrompeu bruscamente e disse que isso estava errado. Então expliquei que eu ia completar dizendo que “sofware livre era gratuito em sua maioria como no caso da distribuição GNU/Linux que ele poderia baixar e instalar no computador que tava ali perto”. O Stallman então falou que o mais importante era a liberdade, e que aquele computador com software privativo poderia ser vigiado, e se tivesse software livre isso não aconteceria. Que ter software privativo seria o mesmo que o governo colocasse uma câmera na loja pra ficar vendo o que o dono fazia. Continuei explicando outras coisas até que finalizamos a compra e fomos embora.
Antes de ir, o Stallman perguntou pro dono se ele não teria aquele mesmo despertador mas com apenas um botão para regular a hora e o ponteiro do despertador. O dono da loja falou que não tinha naquele momento, mas que ia chegar na semana que vem. Eu nunca vi um despertador com apenas um botão e achei que o dono tava mentindo. Mas o Stallman me fez prometer que iria voltar na loja na semana seguinte para comprar mais dois despertadores e levá-los dali a 15 dias para Brasília quando nos encontraríamos na Campus Party.
Assim que saímos, o Stallman nos parou na rua e me deu uma bronca, explicando que eu nunca devo falar em preço, mas que devo falar sempre em liberdade. Tentei explicar que eu havia falado da gratuidade porque provavelmente aquele lojista não teria pago pelo windows que tava no computador, e que se ele achasse que teria que pagar para ter GNU/Linux instalado, ele não iria se interessar. O Stallman continuou repetindo que isso não era importante, e que o correto é mostrar para as pessoas leigas que a liberdade sem vigilância é o principal motivo para usar Software Livre, e que não era uma questão de preço. Ou seja, que o ponto da vigilância iria despertar nas pessoas o interesse pelo Software Livre.
O Oliva havia me dito que em Campinas o Stallman falou da vontade de tomar sopas, mas que não tinham tomado lá porque não era fácil de achar, ao contrário de Curitiba no inverno. Então perguntei pro Stallman se queria jantar num buffet de sopas e ele gostou da ideia. Fomos em um restaurante pelo centro mesmo que serve pizzas e sopas. Eu e Adriana já tinhamos comido pizza algumas vezes lá, mas nunca tomamos as sopas. Quando estacionei o carro, ele continou usando o notebook, então perguntei se ele queria que a gente esperasse um pouco até ele terminar. Então ele perguntou porque eu estava perguntando aquilo, já que se ele precisasse de mais tempo no carro, ele iria falar, e portanto eu não deveria supor que ele precisava de mais tempo. Jantamos sopas e no final ele disse que não gostou muito porque esperava que elas tivessem mais sabor, mas que a nossa tentativa foi válida.
Em casa
Chegamos em casa já perto da meia-noite e assim que entramos mostrei o quarto para o Stallman. Ele aprovou o colchão, deixou a mala no canto e foi para a mesa da sala, sentou e ligou o notebook. Fiz as coisas de praxe como mostrar a tomada e passar a senha do wi-fi, e vi que ali ele já estava acomodado.
Depois de alguns minutos comentei que havia lido que ele gostava de chá, e perguntei se ele queria algo. Ele pediu para mostrar como ele poderia colocar a água para esquentar, então mostrei a chaleira, como usar o fogão e dei uma caneca. Dali em diante por várias vezes ele mesmo colocou a água para esquentar durante os dias, e tinha os seus próprios sachês de chá preto.
A Adriana perguntou para o Stallman se ele já tinha tomado chá de alecrim porque temos um pé e ela estava tomando diaramente porque tinha lido que faz bem para evitar enxaquecas. Ele disse que nunca tinha tomado mas que gostaria de experimentar, que tem uma amiga que sofre de enxaquecas e que se o resultado for bom, a Adriana poderia falar pra ele depois. Então a Adriana deu um galho para o Stallman fazer o chá e ele disse que gostou do sabor.
Nos três dias em que ficou hospedado em nossa casa, a rotina do Stallman foi basicamente essa: ficar na mesa usando o notebook e fazer chá para tomar enquanto comia as castanhas e os chocolates. Não fez calor mas também não estava muito frio para a época do inverno, na primeira noite deve ter chegado a uns 12 graus, acho que ele até chegou a usar o cobertor que havíamos deixado no quarto para dormir :-)
Conversa tensa sobre a Campus Party em Brasília
Fiquei na dúvida se deveria relatar o que vem a seguir. Decidi escrever não com o objetivo de prejudicar a imagem do Stallman, mas apenas para servir de alerta sobre o que pode acontecer.
Bem antes do Stallman vir para o Brasil, durante a troca de e-mails para acertar os detalhes para ele palestrar na Campus Party em Brasília, uma pessoa da organização avisou ao Stallman (me copiando) que o hotel já estava reservado. O Stallman então perguntou se ela poderia achar alguém em Brasília que pudesse hospedá-lo em casa ao invés dele ir para o hotel. Ela achou esse pedido bastante “estranho” e me perguntou o que estava acontecendo, qual era o motivo do Stallman não querer ficar confortável em um hotel. Então expliquei que isso era normal porque ele prefere ficar hospedado na casa de alguém, mesmo que ele não conheça, do que ficar em hotel. A organização não conseguiu achar ninguém e informou ao Stallman, que respondeu que tentaria achar por conta própria. Alguns dias depois o Alexandre Oliva enviou um e-mail para uma lista de discussão perguntando se alguém estaria disposto a hospedar o Stallman em Brasília, e foi atendido pelo Prof. Pedro Rezende.
O problema é que em 2012 houve uma queixa do Stallman sobre ficar em uma casa sem ar-condicionado em Brasília por causa do calor, e se isso se repetisse, poderia trazer problemas para a Campus Party. A pessoa da organização me explicou que se o Stallman não ficasse no hotel no primeiro dia, não seria possível depois colocá-lo lá caso dele resolvesse ficar na casa de alguém e tivesse que sair. O Prof. Pedro Rezende que ficou de hospedá-lo, estava organizando outra palestra do Stlalman na UNB foi muito solícito e se comprometeu a fazer todo o translado com o Stallman entre aeroporto, casa, Campus Party, etc, e assim a organização da Campus Party não teria que se preocupar com nada. Diante de tudo isso, fiquei então de conversar pessoalmente com o Stallman sobre isso e saber se ele realmente não preferia ficar no hotel.
Então na primeira noite que o Stallman estava em casa, resolvi puxar esse assunto. Já era mais de 1h da manhã, ele estava no notebook e perguntei se poderiamos conversar sobre a Campus Party porque existia a preocupação com a hospedagem dele em Brasília. Ele me interrompeu bruscamente e disse que eu não deveria me preocupar com isso porque já estava tudo certo. Então insisti que a organização da Campus já havia reservado um hotel caso ele preferisse, e então a coisa ficou tensa. O Stallman começou a falar alto que a organização não deveria ter reservado o hotel porque ele não tinha pedido, e que se ele fosse sentir calor isso não era problema nosso. Como vi que esse assunto já estava encerrado para ele, aproveitei e tentei alertar sobre como eram os palcos na Campus Party, que não eram auditórios fechados como em outros eventos e que poderia existir barulho em volta enquanto ele estivesse palestrando. Novamente, falando bastante alto, ele repetiu que eu não deveria me preocupar com isso, que se houvesse qualquer problema de barulho ele iria resolver lá e que eu o estava incomodando com essa conversa porque ele queria trabalhar e eu o estava atrapalhando. Após tentar explicar as minhas preocupações e ser interrompido pelo Stallman, fiquei muito frustrado com a reação que ele teve e resolvi encerrar a conversa por ali. Então pro sofá continuar fazendo minhas coisas.
Antes de encerramos esse assunto, ele explicou que não gosta de ficar em hoteis porque os empregados agem como robôs e são pagos para servir os clientes de forma muito submissa. E quando ele fica na casa de alguém, ele pode conhecer novas pessoas e conversar, já no hotel ele só tem como alternativa assistir TV.
Após uns 30 minutos de silêncio, o Stallman se levantou e veio falar comigo em um tom totalmente diferente, mais calmo, perguntou se eu tinha algumas músicas para copiar num pendrive pra ele. No outro dia a Adriana me perguntou o que tinha acontecido porque acordou com o Stallman falando alto e nervoso, então contei a minha tentativa frustrada de conversa sobre Brasília.
Eu havia planejado de no dia seguinte perguntar ao Stallman se gostaria de conhecer o Departamento de Informática da UFPR que foi onde eu estudei e que tem nos laboratórios os computadores rodando apenas GNU/Linux, mas essa conversa me deixou tão chateado/frustrado que eu desisti de perguntar e resolvi deixá-lo quieto trabalhando antes de irmos para a palestra.
O dia da palestra
Pela manhã (dia 2 de junho) o Daniel Lenharo, que fez parte da organização da palestra, veio para minha casa para a gente organizar os últimos detalhes e levar o Stallman para almoçar. O Alexandre Oliva havia me dado algumas dicas sobre o Stallman, entre elas: sempre combinar com antecedência o que você pretende fazer para dar tempo dele se preparar; e chegar com uma boa antecedência ao local da palestra para ele separar os materiais da FSF que ele traz para vender ou distribuir ao público.
Não comentei sobre isso na primeira parte: quando você acerta os detalhes para receber o Stallman para palestrar, a FSF envia pelo correio uma caixa com materias que o Stallman irá vender ou distribuir ao público. São adesivos, chaveiros, botons, etc.
Combinei com o Stallman de sairmos às 12h30 para almoçar em um restaurante perto da minha casa. Minha ideia era sair para almoçar e de lá já ir para o local da palestra na UFPR que estava marcada para começar às 18h. Assim teríamos bastante tempo de preparar o local para gravar a palestra. No horário marcado nos preparamos para sair e quando vi que ele não tinha pego os materiais, falei para ele pegar tudo porque do restaurante já iríamos para a UFPR. Ele então ficou nervoso pela segunda vez: começou a esbravejar que eu não tinha falado antes que já íamos para a UFPR e que ele não tinha se preparado para ir, porque ele achou que iríamos voltar pra casa ainda. Aí me caiu a ficha que eu realmente não havia combinado com ele de ir para a UFPR, então falei que tudo bem, que voltaríamos para casa e que a culpa foi minha por não ter falado antes.
Após o almoço voltamos para casa e pedi que ele se aprontasse assim que possível para a gente ir. Ele ficou trabalhando no notebook e só saímos às 15h, o que me deixou bastante preocupado porque seria bem corrido para organizar tudo. Quando chegamos no local, o Stallman lembrou que havia deixado o carregador do notebook e os materiais da FSF em casa, então tive que voltar, o que me deixou ainda mais preocupado e meu nível de streess foi aumentando porque a possibilidade de dar alguma m… estava piorando. Mas as outras pessoas da organização omeçaram a preparar o auditório, e a empresa contratada começou a montagem da cabine de tradução simultânea. Lembrando que a contratação da tradução simultânea só foi possível graças ao financimento coletivo que várias pessoas ajudaram.
Cheguei de volta na UFPR já próximo de 16h30 e já havia bastante gente na entrada do auditório porque havíamos divulgado que as portas seriam abertas às 17h. No hall o pessoal da organização já havia montado as duas mesas que o Stallman havia orientado: uma mesa para vender os materiais e outra mesa (a uma certa distância) para distribuir os adesivos gratuitamente. Só deu tempo de finalizar a montagem dos equipamentos para a gravação e estávamos prontos para começar.
Antes da palestra, colocamos um vídeo para exibir que era uma coletânea de outros vídeos falando o que é software livre, etc. Quando o Stallman começou a ouvir uma animação em espanhol, ele começou a fazer cara feia, balançar a cabeça negativamente e colocar a mão no rosto. Eu subi no palco e perguntei qual era o problema, e ele reclamou que o vídeo citava “software proprietário” como um antagonista ao software livre e que isso estava errado. O correto era citar “software privativo”, e que o vídeo iria confundir as pessoas. Ainda bem que o vídeo era pequeno e acabou logo, porque ele estava ficando nervoso com aquilo.
E então começou a palestra. O auditório estava lotado, e algumas pessoas ainda tiveram que sentar no chão. Foram quase 2h30 entre a fala do Stallman, o leilão do GNU de pelúcia (Curitiba foi a cidade brasileira que teve o maior lance: R$ 475,00) e as perguntas do público. Você pode assistir o vídeo no link a seguir, inclusive com o áudio da tradução simultânea: http://stallman-brasil.softwarelivre.org/2017/curitiba-ufpr
Depois da palestra ainda houve um tempo para o pessoal tirar fotos com o Stallman e para as entrevistas que estavam combinadas. Aproveitamos esse tempo para desmontar os equipamentos, e quando tudo foi finalizado, ficou apenas um pequeno grupo da organização. Perguntamos ao Stallman se ele gostaria de jantar em uma churrascaria e ele respondeu que como estava indo para a Argentina, lá ele comeria bastante carne e que por isso ele preferia comer peixe. Achar lugar que sirva peixe em Curitiba não é uma tarefa fácil, principalmente porque esses restaurante são muito caros. Até que achamos o Peixinho que tem rodízio de peixe e… pizza, e com um preço razoável. O problema é que existem dois restaurantes chamados Peixinho, e fomos no que não tinha rodízio e era mais caro. Descobrimos que telefonamos para um (o do rodízio) para pegar as informações, e fomos para o outro (à la carte), isso deve ter sido o cansaço já batendo em todos nós. Mas não ficamos no à la carte e fomos para o Peixinho correto, o do rodízio :-)
O rodízio de peixes até era bom, mas era só de um tipo de peixe: tilápia. Então tinha tilápia frita, tilápia assada, tilápia no molho, tilápia com pimenta, tilápia empanada, e por aí vaí. Depois de tanta tilápia, o Stallman acabou comendo umas fatias de pizza também, alias, todos nós comemos. Quando acabou de comer e conversar um pouco, o Stallman abriu o notebook na mesa e começou a trabalhar. Como todos já sabiam que isso poderia acontecer, ninguém estranhou, e continuamos conversando sem incomodá-lo.
Chegamos em casa já bem tarde e cansados. Eu estava extremante aliviado porque tinha dado tudo certo na palestra. O auditório estava cheio, as pessoas aparentemente sairam satisfeitas, a gravação e a tradução simultânea funcionaram, e o Stallman não teve nenhum aborrecimento. Meu maior medo era que acontecesse algo parecido como em Goiânia em 2012 e que todo o nosso trabalho fosse por água abaixo, e que ao invés das pessoas ficarem felizes, elas saissem com uma má impressão do Stallman e acabassem o ridicularizando. Mas todo o nosso trabalho, das pessoas envolvidas na organização, foi recompensado com um evento perfeito. Perguntei para o Stallman se ele havia gostado da palestra, ele fez uma cara de quem não entendeu muito bem a pergunta e disse que aquilo fazia parte do trabalho dele e que portanto havia sido normal.
A partida
O vôo do Stallman de Curitiba para Foz do Iguaçu estava marcado para às 11h30 (dia 3 de junho), então pela manhã não tinha muito o que fazer. A Adriana se despediu dele logo cedo porque ela tinha que ir para a aula de inglês. Ela agradeceu por ele ter vindo e disse que a palestra iria encorajar as pessoas a conhecer mais sobre software livre. O Stallman respondeu que ele não é um rockstar para ter seguidores, mas o que ele espera é que as pessoas acessem o site do Projeto GNU e que contribuam de verdade para o Software Livre.
Combinamos o horário de saída e fomos para o aeroporto. Uma das dicas do Alexandre Oliva foi que o Stallman gosta muito de coxinhas, então talvez em algum momento ele pediria para comer algumas. No aeroporto após o check-in, o Stallman me perguntou onde poderia comprar algumas coxinhas para levar, e fomos a uma lanchonete. Nos despedimos e ele foi embarcar. Dali a 2 semanas nos encontraríamos novamente na Campus Party em Brasília.
Campus Party Brasília
A palestra do Stallman na Campus Party em Brasília foi marcada para o dia 17 de junho às 13h, último dia do evento, e no palco principal porque ele era um dos palestrantes magistrais (keynote). A chegada do Stallman em Brasília no dia anterior vindo de Foz do Iguaçu (porque ele cruzou a fronteira entre Argentina e Brasil por terra), e a hospedagem na casa do Prof. Pedro Rezende tinha acontecido sem nenhum problema. O Prof. Pedro Rezende levou o Stallman para o local da Campus Party e para evitar que ele fizesse o procedimento normal de check-in no evento que incluia ter que cadastrar a digital, a organização permitiu que ele entrasse por uma entrada secundária.
Almoçamos no restaurante da Campus Party e fomos para o palco para o Stallman se preparar para a palestra. Ele passou as instruções de quais materiais da FSF deveriam ser vendidos e quais deveriam ser distribuidos gratuitamente e onde as coisas deveriam ficar nas mesas, e foi para o palco. A palestra ocorreu também sem nenhum problema. Foi a mesma palestra que ele fez em Curitiba só que um pouco mais curta, com 2h de duração. Tinha muita gente assistindo em volta do palco como dá para ver nas fotos.
A Campus Party costuma transmitir ao vivo as palestras no seu canal no YouTube e deixar lá para quem quiser assistir depois. Mas como o Stallman pede que a palestra dele não seja colocada no Youtube por questões de privacidade, orientei o pessoal da organização para não transmtir, o que gerou um pouco de surpresa principalmente no pessoal da área de comunicação que não está acostumado a receber esse pedido. De qualquer forma, a palestra foi gravada e está e está disponível nesse link: http://stallman-brasil.softwarelivre.org/2017/brasilia-campus-party. Pena que a pessoa que fez a tradução simultânea não permiriu que gravássemos o áudio para disponibilizar depois, porque para isso teríamos que pagar um valor a mais, mesmo eu explicando que seria muito útil para a comunidade e que daríamos os créditos a ele. Mas não houve jeito, só pagando mesmo.
Como a palestra do Stallman era de um magistral, não estavam acontecendo palestras nos outros palcos. Mas o tempo previsto é de mais ou menos 1h30, por isso já no finalzinho da palestra começaram as movimentações nos outros palcos e o Stallman achou estranho o barulho que o pessoal estava fazendo, principalmente os “gritos”. Ele parou a palestra e começou a falar para o pessoal não fazer barulho porque ele ainda não havia acabado. Eu tive que subir ao palco e falar para ele não se importar com isso porque eram atividades de outros palcos que iriam começar e que ele poderia continuar falando que a plateia estava ouvindo normalmente. Ele ainda parou mais uma duas vezes, e eu fui ficando apreensivo que ele realmente se aborrecesse com aquilo, mas aí deu tempo de encerrar a palestra antes das outras iniciarem.
Várias pessoas tiraram fotos com o Stallman, e o pessoal da comunidade local de Software Livre de Brasília e que organiza o FLISOL na cidade pediu que ele fosse até a bancada onde eles estavam para tirar uma foto com o grupo. Mas quando o Stallman viu o banner do FLISOL atrás, ele pediu para tirar o banner porque ele não gostaria de ser visto como um apoiador do FLISOL. O pessoal perguntou porque e ele explicou que a maoria das cidades instalam softwares não livres no FLISOL e ele era contra isso. Ele explicou para todos a importância de instalar apenas softwares livres no FLISOL.
Antes de ir embora, entreguei os dois despertadores para o Stallman que eu havia ficado de levar. Ele havia me enviado um e-mail enquanto estava na Argentina me lembrando de passar na loja para ver se tinha chegado o despertador com apenas um botão. E como não tinha, comprei o modelo igual ao que ele havia comprado. Ainda dei a ele uma caixinha de acrílico para ele guardar o despertador dentro da mala (o que ele achou bastante útil) e duas barras de chocolates Garoto que ele tanto gosta.
O Stallman pediu para ir embora logo porque estava muito calor, e dava para ver que ele estava cansado. Nos despedimos com ele dizendo: Happy hacking!
Mais uma vez deu tudo certo, e a organização da Campus Party ficou bastante satisfeita com a participação do Stallman. Agradeço a coordenação da Campus Party por disponibilizar o palco principal para o criador do movimento Software Livre, e agradeço especialmente a duas pessoas que eu admiro muito: Ana Carolina Rodrigues que na época era a Gerente de Conteúdos da Campus Party e que topou a ideia de levar o Stallman, e a Juliana Tedoro que foi a pessoa da organização que cuidou de toda a parte operacional para viabilizar a ida dele.
Agradecimentos
Nunca é demais agradecer a todas as pessoas ajudaram de alguma forma para a realização da palestra do Stallman em Curitiba:
- Adriana Cássia da Costa
- Alexandre Oliva
- Claudia Costa
- Cleber Ianes
- Daniel Lenharo de Souza
- Daniel Weingaertner
- Edemir Reginaldo Maciel
- Eduardo Todt
- Gabriela Bianchini Palumbo
- Helen Mendes
- Ianka Antunes
- Leonardo Rodrigues
- Marcos Sunye
- Matheus Horstmann
- Paulo Henrique de Lima Santana
- Samira Chami Neves
Links para vídeos, fotos e notícias
Palestra do Stallman em Curitiba
Palestra do Stallman na Campus Party Brasília
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